Monday, October 01, 2007

A Língua do P

---Não existe destino e nem fatalidade, afirmam alguns... No entanto, percebo que certos questionamentos e certas situações parecem dar voltinhas durante algum tempo, para depois retornarem ao centro da nossa testa, também chamado de ajna ou o chakra da visão, ou seja, retornam ao mesmo lugar de onde - parece - nunca saíram, o nosso foco, a nossa atenção.
---Tenho uma boa coleção de assuntos/questionamentos assim, tipo bumerangue, que atiro para longe, mas ele insiste em retornar. Um deles diz respeito ao que eu chamo de “vocabulário de gueto” também conhecido como linguagem cifrada para enganar trouxa ou ainda método de aquisição de poder através da criação de dialetos.
---Desde que entrei neste estranho mundo dos concursos públicos, encontrei pilhas de critérios de seleção para questionar e mais outras coisinhas meigas que classifiquei de “a forma mais eficaz de eliminar pessoas que poderiam ser ótimos funcionários”. Até aí, tudo bem... A idéia não é conseguir excelentes funcionários públicos (vide a maior parte dos serviços públicos à disposição dos cidadãos), a idéia é se livrar do maior número de “chatos que insistem em achar que podem passar” o mais rápido possível! E tenho perfeita consciência de que só consegui passar no concurso da Prefeitura sem nem ter estudado muito, porque a relação candidato/vaga estava de 54 pra 1, ou seja, havia poucos chatos que insistem em achar que podem passar a serem eliminados.
---Mas, acompanhando o Fernando na prática desse estranho esporte chamado estudar para concurso, fui obrigada a dar de cara – de novo!!! – com aquele velho conhecido, o vocabulário de gueto. A razão é fácil de compreender: adentramos o Judiciário!(pelo menos estamos tentando) E aí, mesmo que você não esteja pleiteando um cargo específico para advogados, é preciso estudar as Leis (e que saudade dos 10 Mandamentos!)
---Sério... Sem piadinhas... Deus que é Deus, que não precisou fazer concurso para assumir o cargo, é bem claro nas suas Leis. Em primeiro lugar, são só 10, (oni) ciente que Ele é de que o ser humano tem memória curta. Ou seja, 10 é um número redondinho! Não dá muito trabalho para decorar e, portanto, não será necessário depois jogar na cara que mesmo aquele que não tem ciência da existência da lei está sujeito as suas penalidades. Em segundo lugar: essas 10 Leis são aplicáveis em todo o território global, não possuem exceções, emendas, incisos... e o principal: são extremamente democráticas, todo ser humano está sujeito a elas e não adianta alegar laço de parentesco com algum figurão, porque afinal somos todos filhos do Chefe Supremo.
---Mas o ser humano, que se acha maior e melhor que o próprio Deus, bem chegadinho a um exagero, resolve não somente fazer uma tonelada e meia de leis. Não... Isso não seria suficiente! Ele quer que ninguém entenda nada mesmo, pra ele poder chegar depois e punir... ou ganhar alguma coisa em troca para não punir. Então ele inventa o direitês, da mesma forma que inventou o economês e o mediquês.
---Tudo bem que existem outras línguas deste tipo, outros vocabulários de gueto, mas esses três, convenhamos, são os que mais se destacam! Merecem mesmo uma medalha de honra ao mérito (de enrolar os outros). Coincidência ou não, tanto os advogados quanto os médicos são os únicos profissionais com nível superior (graduação) que fazem questão de serem chamados de Doutor e ninguém acha ruim. Para nós, pobres mortais diplomados em outras profissões, é necessário ralar num mestrado e depois num doutorado para conseguir o mesmo chic tratamento. Se eu fosse economista, exigia também o direito ao Dr., afinal, eles conseguiram elaborar um dialeto que não deixa nada a desejar em relação aos outros dois.
---E a verdade é que eu ando meio de saco cheio dessa Língua do P de gente grande. Sinceramente, eu acho que a finalidade é a mesma da língua engraçada que costumamos utilizar na infância, ou seja, criar uma linguagem que só os nossos amiguitos entendem e assim ganhamos força, ganhamos “corpo” (ra-ti-vis-mo), ficamos mais importantes que os outros bobões que não entendem o que estamos falando.
---Minha falta de paciência para este tipo de coisa se explica através de diversas teorias, mas minha preferida é o fato de eu ser (com licença) profissional de comunicação e ter plena consciência de que escrever bem não é escrever difícil... quem sabe de verdade algo consegue transformar aquele conhecimento complexo em algo digerível para quem não é especialista... e também, e não menos importante, o que distingue alguém muito bom no que faz do resto da humanidade, não é a capacidade que tem de complicar aquilo aos olhos alheios, mas é fazer o simples de uma forma absolutamente única.
---Isso se aplica a praticamente tudo! Tenho um exemplo que carrego sempre na manga: fazer comida gostosa usando creme de leite e camarão é fácil! Quero ver fazer comida gostosa usando cenoura, chuchu, batata e uns temperos do quintal! E isso também tem a ver com o conceito de que o valor não está no “o que”, mas no “como” e o “como” cada um terá o seu, de uma forma muito peculiar.
---Mas quem vai compreender esta sutileza? (Quem? Quem?) Com certeza, não será alguém que acredita que o “dê-érre” antes do seu nome faz dele alguém diferenciado, melhor que os outros. Também não creio que será alguém que acredita de verdade nos critérios de provas, testes, concursos e competições de conhecimentos em suas diversas modalidades. Talvez por isso, apesar de aprovada e prestes a ser nomeada, ainda me atrai a possibilidade de passar mais uma vez, e outra e outra... Só pra ganhar no campo do adversário. É a pequena porção de guerreira menina super-poderosa que existe aqui dentro.

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