Thursday, January 25, 2007

Nestas manhãs chuvosas de verão...


Estou olhando, através da janela, as árvores felizes com a chuva (alguém tem que estar, né?) e fico pensando que a vida é algo muito engraçado. Tudo é tão efêmero... coisas boas e ruins. Quando falamos do que é efêmero, da fragilidade da existência de todas as coisas, imaginamos sempre a crueldade de Deus que nos arranca tão precocemente as coisas boas que conquistamos. Se o excessivo apego não nos cegasse, conseguiríamos perceber que esta constante mutação da existência também nos leva momentos ruins, pessoas ruins, sentimentos ruins... ou simplesmente muda aquilo que já passou da validade.

Já deixei tanta coisa pra trás... Coisas boas, coisas ruins, coisas com prazo vencido... Mas tenho algo de nostálgico em mim. De vez em quando, principalmente nestes dias de chuvas que têm sido constantes, fico olhando pela vidraça do trabalho (tenho a bênção de ficar de frente para uma árvore frondosa, cercada de outras tantas árvores menores) ou pela janela de casa, admirando a capacidade que a chuva tem de arrancar aromas da terra, das plantas, de mudar o cheiro e a temperatura do ar. Nestas horas eu me lembro de tantas coisas e pessoas que passaram pela minha vida. Isto é bom.

Gosto da minha bagagem, minhas tranqueiras emocionais que o Fernando sempre diz que preciso despachar. “apague a história pessoal! Apague a história pessoal!”, esta é a orientação dos xamãs, mas, penso eu, se não ficarmos por demais apegados a ela, por que não guardar algumas fotos, alguns filmes mentais? Ou talvez melhor ainda: sem guardar nada, ainda assim fechar os olhos e relembrar... para depois, suavemente, libertar as memórias e deixá-las bailar soltas sob a chuva.

Já vivi mais no passado. Também desejei fervorosamente que o futuro chegasse logo, já que o presente me fazia sofrer tanto. Mas, atualmente, estou vivendo o aqui e agora de uma forma totalmente nova para mim. Nunca tive tanto prazer de viver e a vida assim, exatamente do jeito que está, tem tido gosto de sexta-feira à noite... aquela coisa cheia de uma preguiça sedutora e de expectativa pelo que vem a seguir, tranqüilidade e ação combinadas com harmonia. Não tem um dia que não seja bom, não tem um dia em que não acorde e vá dormir feliz, em especial pela maravilhosa companhia que dorme ao lado.

Esta consciência tão ampla e lúcida do viver no presente é que tem me permitido uns minutinhos de nostalgia, quando o barulho da chuva atrapalha os pensamentos concretos e lineares de algum texto que está sendo escrito. A vidraça é um bom portal da memória... E entre as gotas brilhantes de chuva que escorrem na janela eu descubro um sorriso, um gosto de torta de maçã, o cheiro do perfume de um homem que já amei, meu filho mexendo dentro da minha barriga, a pele quente depois de um dia na praia, a emoção de um reencontro... como um mosaico, tudo surge na minha frente. E o mais incrível é que consigo, em seguida, deixar cada uma dessas lembranças refletidas nas gotas de chuva da janela e volto à minha vida presente, prazerosa e bela, porque o melhor lugar do mundo é aqui e agora.