Wednesday, October 28, 2009

As palavras não valem tanto...


As palavras não valem tanto.
Mais valor possuem os lábios que as permitem
Nascer neste mundo de sons que partilhamos,
Ou o coração que forja a matriz enigmática
do sentido de cada sílaba.

As palavras não valem tanto!
São meras letras - unidas ou separadas -
que descrevem o que chamamos de realidade.

No entanto, se tão diversas são as existências
e os olhos atentos que as observam,
fica a pergunta no ar: o que seria real
e existencialmente concreto
E o que seria fantasioso e, portanto, sem sentido
para toda a Humanidade?

Não podem ser unânimes os sentidos das palavras
porque não enxergam a mesma coisa todos os olhos
E nem batem no mesmo ritmo todos os corações.

E se ainda assim víssemos e sentíssemos a mesma coisa,
ainda assim haveria a bagagem trazida às costas
e marcada em todos os corpos - físico, emocional, mental -
de cada ser.

Daí surgem os desgostos e as paixões por certas palavras. Conheci um rapaz, certa vez, que adorava "cretina" e sempre que queria xingar alguém, em especial alguém do sexo feminino, enchia a boca e exclamava com gosto: "cretina!" Um grande amigo tinha tamanha implicância com o "vice-versa" que eu era capaz de encaixar o termo em diversas frases, quando lhe escrevia mensagens, só por provocação...rs

Já meu ex-marido não tolerava (acho que continua sem tolerar) a palavra "festa". Certa vez, eu quis fazer uma para ele, em comemoração ao aniversário, e só consegui fazê-la sem ouvir seus protestos e reclamações quando a transformei em "reunião".

Onde eu trabalho ninguém pode "assentar" uma idéia, que corre o risco de linchamento e eu, particularmente, não suporto quando alguém "incrementa" alguma coisa, sempre me passa uma constrangedora sensação de nojo, impossível de disfarçar.

Há anos que percebo o valor excessivo que damos às palavras - para mal e para bem - e que muitas vezes nos impede de ouvir o outro com o coração. Eu mesma, quando adolescente, "desligava o ouvido" quando minha mãe mencionava as palavras: "só sai de casa se..." Eu simplesmente não ouvia mais nada, pois já entendia que seria submetida a uma exigência, teria que fazer algo desagradável (como arrumar o quarto ou lavar a louça...rs) Já o meu marido, apesar de ter provas mais que suficientes do meu amor, não pode ouvir o nome de um ex-namorado meu, que automaticamente fica com ouvidos, olhos e coração blindados e não faz a menor questão de compreender o que eu digo.

Na verdade, ousaria dizer que passamos 90% do tempo ouvindo só o que queremos ou interpretando o que os outros dizem de acordo com nossas crenças e nossas "bagagens". Não ouvimos o que o outro realmente quer dizer, apenas estamos interessados em encaixar palavras, imagens e situações ao que julgamos ser real, verdadeiro e correto, ou seja, a nossa própria visão de mundo.

Mesmo as pessoas que, como eu, por profissão ou gosto, já questionaram o valor das palavras, acabam se apegando a outras referências de comunicação e reagem, cada um a seu modo, a elas. Quando alguém eleva o tom de voz para mim, por exemplo, tenho profunda dificuldade de escutá-la, passo a me preocupar mais em me defender do suposto ataque do que compreender sua razão de agir de tal forma. E tenho certeza que cada um tem lá os seus bloqueios, conheço até uma pessoa que reage de forma oposta: detesta que falem muito baixo com ela! Vai entender..rs

Mas como eu ia dizendo... As palavras nem valem tanto assim! Nem mesmo quando servem para comprovar seu pouco valor. Portanto, leiam estas palavras com o coração e abram os ouvidos de forma generosa, em especial para as pessoas que vocês amam. Então, quem sabe?, poderão percebem que para haver a compreensão, nem uma palavra precisa ser dita.


*** Em homenagem a minha amiga Dani, que apesar de gostar de teatro, detesta a palavra "fingir"! :-)

3 comments:

Hazel Evangelista said...

Feliz Beltane, Cláudia!

Beijos mágicos!

Flora Maria said...

Essa "coisa pública" de palavras é muito interessante.
Detesto alguns termos que viram moda e todo-mundo-fala. Mas de alguns eu gosto. Por que ? Será o som, o significado, a emoção ?
E os bordões de novelas, tão usados pelas pessoas, e que até me fazem sentir o enjôo do "incremento" ?
Mas eu também já gostei do "maledeto", e até hoje uso o "fazer exposição da figura".

Por que eu não consigo "rodar a baiana", e "arrebentar a boca do balão" ? Muito menos "viajar na maionese" ?

"Pombas", (mãe, v. falou palavrão!!!) isso está ficando complicado.

Beijo

Cacau Gonçalves said...

Oi, Hazel!

Beltane lindo para todas nós...

Oi, mãe!

A inspiração para esta postagem surgiu após uma discussão na escola. Percebi claramente aquela blindagem de ouvidos quando alguém ouve uma palavra em relação a qual tem bloqueio ou rejeição. Daí comecei a analisar as diversas situações da minha vida em que observei isso. Temos que estar atentos a todo momento, porque senão simplesmente ouvimos somente o que queremos ou podemos e não o que o outro realmente está falando.

beijo!