
Há muitos anos costumo dizer que tem coisas que só acontecem comigo e com o Botafogo*. Já passei por situações que deixariam qualquer pessoa em estado de choque, tanto por parecerem inacreditáveis quanto pela reação emocional que poderiam causar. Um bom exemplo foi o dia em que uma "colega" de trabalho, incomodada pelo meu constante bom humor, me questionou de forma exageradamente franca e direta, em um tom irritado: "nossa! Mas você está sempre feliz! O que de tão bom acontece na sua vida pra você estar sempre assim?"
Esta não foi a primeira vez que incomodei as pessoas com o meu alto astral. Quando surgem perguntas desse tipo, costumo responder que o fato de estar viva e cheia de saúde já bastaria para me deixar feliz, mas eu ainda tenho a sorte de ter um filho inteligente e lindo, uma família admirável, poucas e boas amigas e um marido maravilhoso. Quem não se considerar feliz diante disso não tem a menor idéia do que seja felicidade.
Acontece que mais incômodo do que se sentir feliz e expressar isso, é começar a explicar as razões de tanta felicidade e, pior ainda, começar a mostrar para a pessoa que ela também poderia estar feliz levando-se em conta diversas situações boas da sua vida. Isso é praticamente uma heresia! As pessoas gostam de sofrer. Elas, de fato, não querem ser felizes e muito menos demonstrarem isso para os outros.
Parece loucura? Vou dar alguns exemplos... Experimentem chegar para uma pessoa que tem um bom emprego e um salário acima da média dizendo: "nossa, fulano, mas que beleza! Você está bem de vida, heim?" O mais provável é que ele dê um pulo para trás, arregale os olhos e se defenda: "eu??? Você está louca? Você não tem idéia do quanto eu trabalho. Ralo pra caramba! E o meu salário nem é essas coisas... não dá pra nada! Estou cheio de dívidas!" Ou seja, ele vai afirmar que é um pobre coitado com tal autenticidade, que você quase terá um impulso de fazer uma campanha de donativos para ajudá-lo a pagar suas contas.
Agora chega para aquela sua conhecida que tem um marido bonitão, educado e gentil e diga algo como: "nossa, fulana, você tirou sorte grande, heim? Seu marido além de bonitão, te trata tão bem..." Pois sim! Isso será por demais ofensivo! Ela, na mesma hora, vai dizer: "ah! Você está dizendo isso porque não vive com ele! Menina, é um inferno casar com homem bonito... A mulherada fica toda em cima... Isso sem dizer que ele me trata muito bem, mas continua naquele empreguinho fajuto, ao invés de procurar algo melhor..."
Enfim... Se você quer ofender uma pessoa, diga que ela é feliz! E se você quer fazê-la morrer de raiva, diga que é feliz! A felicidade parece ser um pecado imperdoável! E onde quer que você vá, as pessoas que parecem felizes são olhadas como esquisitas, "metidas" ou alienadas, que insistem em olhar o mundo com lentes cor de rosa. Como diria a música "A felicidade é um estado imaginário!"
Eu sempre pensei que ser feliz é uma decisão, individual e intransferível. E que independe do que acontece em volta. Para ser feliz não é preciso viver uma vida perfeita, não é preciso ser perfeito. Eu, por exemplo, adoraria ter o nariz pequeno e arrebitado e uns 50% de aumento no salário, mas nem por isso deixo de ser feliz! :-)
Percebo a cada dia um número maior de pessoas que buscam a felicidade fora e não dentro de si. Sei que isso é clichê, mas a felicidade está mesmo dentro e não em volta. No entanto, em um mundo tão materialista e consumista fica complicado explicar que a felicidade não está associada à quantidade de coisas que você possui ou ao status que você tem. Por isso que parece tão estranho ser feliz sem uma mansão, carros importados, emprego top de linha, cirurgias plásticas pelo corpo e todas as coisas que são símbolos de sucesso.
Então entra a outra coisa que irrita e incomoda tanto quanto a felicidade: a liberdade. E nem falo da liberdade total dos xamãs ou mesmo de uma liberdade bem ampla, falo da simples liberdade de saber a hora de parar, a liberdade de ser o que se é sem que a opinião alheia seja tão importante, a liberdade de ter seu próprio gosto e sua própria maneira de viver a vida. Liberdade mesmo de argumentar com a sua "mente do predador" que ela pode continuar repetindo tudo que quiser na sua cabeça, que você não vai desistir dos seus sonhos.
Então, você poderá ver o espanto e desespero nos olhos dos outros quando você nega a oportunidade de estar numa festa de elite, quando respira aliviada porque não foi chamada para um cargo importante (porém, extremamente stressante) ou não compra aquela roupa maravilhosa, apesar de ter o dinheiro na carteira para comprar. É que tudo é sempre tão relativo, tudo é tão transitório... nas mãos de quem está o poder, o que você realmente valoriza, o que é realmente necessário. Nós mesmos somos transitórios! Não sabemos onde vamos estar daqui a um minuto.
Ao invés de sentir medo, insegurança ou ficar se agarrando em coisas que estão fora de nós, talvez o melhor a fazer seja mesmo sorrir a maior parte do tempo, brincar como criança, não se levar tanto a sério, fazer o que pede o coração e não contar com o futuro para sere feliz. Ser feliz agora... ser livre agora... Ser você mesmo agora... Pode não ser tão fácil, mas é muito simples.
*Para as amigas portuguesas, explico: Botafogo é o time de futebol pelo qual torço e que é conhecido pela sua "mística", pelo inusitado que sempre ronda seus jogos e sua história.