Certa vez, briguei feio porque me dis- seram que eu era tão inquieta, mas tão inquieta, que quando tudo parecia perfeito eu arrumava uma razão para ficar infeliz. Talvez so- mente pelo desafio de superar o conflito do momento e re- tornar à, nem sem- pre confortável, sen- sação de felicidade.
Achei um insulto esta afirmativa! Na minha tradução simultânea, de português pra português, estavam me chamando de neurótica. Mas hoje, refletindo com calma, acredito que havia e há um tanto de razão naquela exótica acusação. O estado de felicidade plena me assusta de uma forma inexplicável. Quando tudo parece estar estranhamente em seu lugar, tudo em harmonia, tudo sincronizado e no coração um calorzinho dizendo, como Dorothy, que não existe lugar melhor que nosso lar... Deuses! É porque a cortina está prestes a se fechar, o The End vai se fazer notar ou então, pior, vem por aí a virada da história, a parte do final supresa digno de Shyamalan.
Também existe uma outra possibilidade: algo inconsciente em mim se sente na obrigação de interferir no andamento das coisas. Se tudo está péssimo, tenho que tomar providências! Se tudo está ótimo, também... O que nos leva a crer que a mente humana é dada a disparates e incongruências. Deve ser mesmo a tal mente do predador.
A loucura de hoje foi a busca da arte e do belo, aventura antiga na qual costumo me lançar e sair sempre arranhada e frustrada. Meu irmão ficou com a melhor parte dos talentos genéticos da família: o desenho e a pintura. Para mim restou encher os balõezinhos... Uma colega sofredora, operária das letras (como costumo chamar a "peãozada" com diploma de jornalismo) repete que "jornalismo é ofício" e isto, apesar de ser uma realidade, tira ainda mais qualquer conotação artística de nossos atos diários.
Enquanto tantos se orgulham de sua produção intelectual, eu fico chorosa e inconformada de ser tão inútil dentro do universo pós-Revolução Industrial: eu não produzo nada de concreto! Porque pensar e escrever é tão abstrato... Penso obras de arte, mas não sei construí-las. Imagino vestimentas e até sei costurá-las mentalmente, mas na hora de encarar o corte de tecido e a máquina, chego no máximo ao furo no dedo. Isto sem falar na angústia de não conseguir traçar duas linhas retas e paralelas, nem com a ajuda de régua! Até hoje não sei como passei no psicotécnico para tirar carteira de habilitação.
Enfim... Pensar eu até penso (apesar de certas criaturas afirmarem que "penso mal"), escrever, eu escrevo... Planejar, organizar, administrar, fazer projetos... Nossa! Sei fazer todas essas coisas profundamente subjetivas e (in)visivelmente abstratas. Mas de concreto mesmo só a dor de cabeça que me dá quando entro nessas discussões, sejam internas ou externas.
E agora, que já acabei de pensar, organizar as idéias e escrever (produções mágicas do abstrato) - ufa!!! exorcizei! - vou para a parte mais gostosa e realmente bela: procurar uma imagem que ilustre isso tudo e sonhar com o dia em que serei capaz de desenhá-la.
PS: e como a sábia sincronia nunca me deixa sem resposta, sem querer parei num site que fala sobre Frida Kahlo e fui obrigada a relembrar outros sofrimentos e torturas, bem mais concretos, de alguém que concretamente produzia a beleza e os horrores dessa vida. Com essa, fico quietinha com minha medíocre felicidade por mais algum tempo.
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