Sunday, May 31, 2009

Aos ancestrais, à semente que plantei e àquele que me acompanha na estrada

Tenho pensado muito sobre a linha do tempo e a sua relatividade... Junto com isso vieram memórias dolorosas e surpreendentemente escondidas depois de tanto tempo. Creio que só acessamos o que damos conta ou na época em que damos conta. De qualquer forma, fui eu que pedi a cura e ela vem como deve ser e não ao gosto do freguês.


Quando estamos em processo de cura sempre nos deparamos com o passado e o futuro. Ao perceber o que veio antes, nos questionamos se estamos perpetuando os erros mais do que renovando os acertos. Ao olhar para os filhos devemos nos perguntar o quanto fomos sinceros com eles em relação ao nosso amor, se fomos capazes de deixar isso claro ou se estávamos apenas preocupados em acertar. Quando olhamos para os nossos pais, devemos refletir se não passamos boa parte da vida culpando-os por algo que acabamos de fazer aos nossos filhos, ao invés de agradecermos o fato de eles nos terem dado a vida.


Gostaria de dizer aos que vieram antes de mim que sempre há tempo de pedir desculpas, em especial quando se acreditava estar fazendo o melhor. E digo ao que veio depois e através de mim: desculpe! Eu realmente sinto muito por qualquer coisa que tenha feito, pois tudo que sempre quis foi a sua felicidade.


Gostaria de dizer àquele que veio depois de mim que é sempre bom ser grato... Provavelmente, as pessoas que parecem mais incríveis são aquelas com as quais você nunca poderá contar de verdade e as que te parecem tão cruéis, estarão sempre do seu lado e te apoiando. E digo aos que me trouxeram ao mundo: sou profundamente grata por tudo que fizeram por mim, até mesmo aquilo que nunca consegui compreender, mesmo depois de tantos anos.


Sempre haverá muito que pedir desculpas aos filhos e muito haverá de agradecer aos pais. O amor nunca teve manual de instruções e a incrível diversidade do ser humano é um tipo de maldição da Torre de Babel, onde cada um fala a sua linguagem e a tradução é dificultada pela bagagem de dores que todos trazem às costas. É preciso haver generosidade. É preciso haver compaixão. E ainda assim lidar com suas próprias feridas sem deixar de amar quem as causou.


Gostaria de dizer, ainda, que devo a mim mesma mais amor e generosidade. E não consigo imaginar hoje maior forma de amar os que vieram antes e os que vieram depois do que amando a mim mesma. Pois somente aceitando a mim mesma poderei aceitá-los também. Somente curando a mim mesma poderei curar minha relação com eles e meu amor por eles.


E, finalmente, mas não menos importante, gostaria de dizer àquele que me acompanha na estrada que cada dificuldade que surge no caminho parece menos assustadora pelo simples fato de sentir que não caminho mais sozinha. Não há solidão na jornada e ainda assim há liberdade. E ainda haverá amor e sempre mais amor. Porque não há como esquecer o olhar de aceitação plena que recebi ao te encontrar. Não ser julgada foi um alívio que nem sabia existir nesta vida! Parece estranho que alguém nos dê permissão para sermos simplesmente o que somos... Mas assim foi... E comecei um longo trajeto de descobrir quem eu sou realmente. Finalmente! Depois de tanto tempo tentando ser tantas coisas.


Aos que vieram antes de mim, ao que veio depois de mim e ao que caminha ao meu lado há somente uma canção a ser ouvida e ela é cantada no aqui e agora. É a canção que fala do amor que alimenta a Terra e cada um de nós. E não há palavra que possa explicá-la ou traduzi-la. E não há mente que consiga alcançá-la. É preciso simplesmente senti-la.


Eu te amo. Sinto muito. Sou grata.

Wednesday, May 27, 2009

A sabedoria do abacateiro


Refazenda (Gilberto Gil)

Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão
Aguardaremos brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
Abacateiro teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
Abacateiro sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
Abacateiro serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário da leveza pelo ar
Abacateiro saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba


Essa só a Clarice vai entender...rs
E os antigo Maias, que guardaram a tradição que chegou até mim através dela! ;-)

Saturday, May 16, 2009

Cega, Surda e Muda


Tenho me sentido como Tommy - aquele da Ópera Rock - cega, surda e muda. Um ser totalmente desconectado de tudo mais. O hilário dessa história é pensar que sou formada em Comunicação e trabalhei com isso, com direito a prêmio e elogios variados, durante 20 anos.

O sonho em que grito sem que haja voz, sem que haja som, palavras, retornou. Não sonhava com isso há muitos anos. Mas agora é como se eu não conseguisse me expressar nem no mundo dos sonhos. Ou então consigo... grito tanto, mas tanto, que acordo rouca e com dor de garganta. É incrível que, do jeito que falo tanto, ainda haja tanto mais a ser dito e que não consigo expressar. Há mais de um mês minha voz não sai direito, passo meus dias tossindo, pigarreando, com dor de garganta. É como se algo estivesse entalado, preso no meio do caminho: nem sai e nem entra. Sufocado durante tanto tempo que nem sei mais do que se trata...

Quando não sei o que dizer, mas sinto uma necessidade torturante de me expressar, choro. E quando o marido me pergunta o que aconteceu, não sei dizer. É como se eu quisesse declarar algo... algo que me tortura, algo que me desespera, algo com o qual não sei lidar e no entanto não sei o que, não sei como, não sei porquê. Só que tem horas que tudo parece explodir tão forte dentro de mim que fica o medo de que as fundações dos meus pés e as paredes de carne de meus órgãos não sejam firmes o suficiente para suportar tamanha pressão. Tenho medo de me ver em mil pedaços: corpo, mente, sentimentos, memória e o vazio que está guardado por tanto tempo que nem sei mais viver sem ele.

Sonho com câmaras de descompressão de profundidade hermética, para poder deixar transbordar em ondas as paredes que me apertam as entranhas. Para poder vomitar as palavras e imagens das quais me alimentei durante 40 anos e que nunca me fizeram bem ao estômago, ao pulmão, ao sangue, ao timo. Sonho com a hemodiálise onírica capaz de retirar todas as águas escuras de meu corpo imaginário, retirar todas as águas que transbordam e vazam em cada casa onde moro, em cada palavra que calo e saltam, suicidas, pelas pupilas. Eu odeio toda essa água que me perturba o sono. Eu odeio toda essa água Rainha de Copas que me faz invejar o que não tenho ou que não consigo ver - apesar de estar lá.

De alguma forma eu queria poder colocar pra fora tudo... como um bazar de garagem... as tranqueiras do meu ser. E me pergunto se há alguém louco o suficiente para querer carregá-las! Não consigo expulsar os intrusos de meu corpo-lar, que já habitam o mesmo lugar há tanto tempo que ganharam o uso capião da minha alma. Gente estranha! Odeio gente estranha! E tem montes delas dentro de mim!

Queria rasgar meu diploma, mas ainda é algo de que posso me orgulhar e decorar as paredes... apesar dele estar jogado dentro de uma pasta, no fundo de uma gaveta... Aprendi a usar as palavras tão bem que já nem preciso mais viver, sentir ou pensar de verdade, basta organizá-las harmoniosamente... inteligentemente... e pronto! Dá impressão que sou mesmo assim, tão esperta quanto demonstro ser. Não acreditem, por favor... Não sou publicitária, sou jornalista e meu compromisso é com a verdade...rs

Já larguei a imprensa e as assessorias... Agora falta largar o teclado e a papelada. E calar a boca. E fechar os olhos. E trancar a mente. Falta abandonar as últimas palavras, escritas ou faladas. Aprender Libras, sentir os símbolos e só cantar... Assim seria uma boa forma de superar minha gagueira mental, que só repete as mesmas palvras e não conclui as idéias. E pintar um quadro, um grande quadro! Com aquarela... para tirar toda a água que mora dentro de mim, misturá-la com as cores certas e expressar, libertar, o que está preso na torre do meu cérebro.

Sem águas chacoalhando dentro de mim, com o cérebro vazio e sem precisar falar uma só palavra, para explicar o inexplicável, talvez eu seja feliz.


PS: Para quem não entende Libras, lá em cima está escrito: "Eu te amo". Agora só falta o Sinto Muito e o Obrigada.